A globalização e o aumento da mobilidade internacional trouxeram novos desafios para o Direito de Família, especialmente na regulação das responsabilidades parentais em famílias transnacionais. Assim, no mundo inteiro existem famílias compostas por membros de diferentes países, o que traz um panorama amplo e complexo de questões.
Em Portugal, o regime jurídico enfrenta dificuldades ao lidar com situações que envolvem diferentes jurisdições e culturas legais, sendo que os tribunais portugueses através da jurisprudência têm adaptado as decisões a essa nova realidade.
Assim, este artigo analisa os principais problemas e soluções legais em casos de responsabilidade parental transnacional, incluindo questões de guarda, visitas e reconhecimento de decisões estrangeiras. Também será discutido o impacto das convenções internacionais, como a Convenção de Haia de 1980, na resolução desses litígios.
1. Introdução
Com o aumento da mobilidade internacional, as famílias transnacionais, ou seja, com membros de diferentes nacionalidades, tornaram-se mais comuns, trazendo novos desafios para os sistemas jurídicos. Essas famílias, compostas por membros de diferentes nacionalidades ou residentes em países distintos, enfrentam questões complexas relacionadas à regulação das responsabilidades parentais.
Em Portugal, os tribunais são frequentemente chamados a decidir sobre guarda, visitação e outros aspetos das relações parentais em contextos que envolvem múltiplas jurisdições, sendo que a lei aplicável e o Tribunal competente para julgar os litígios são pontos importantes, entre outros aspectos que iremos abordar.
2. O regime jurídico em Portugal
O Código Civil português regula as responsabilidades parentais nos artigos 1877.º a 1920.º, estabelecendo que estas deverão ser exercidas de forma a resguardar o melhor interesse da criança. No entanto, em casos transnacionais, o regime jurídico nacional deve ser complementado por normas internacionais e europeias, sendo essas acordos internacionais e convenções.
2.1 Convenções internacionais
Portugal é parte de importantes instrumentos internacionais, como:
Convenção de Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, ao qual o Brasil também é signatário.
Regulamento Bruxelas II bis (atualmente substituído pelo Regulamento Bruxelas II ter), que regula a competência, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental dentro da União Europeia.
Essas normas e também outras leis e tratados, garantem que as decisões parentais tomadas em Portugal possam ser reconhecidas em outros países e vice-versa, promovendo a segurança jurídica internacional.
3. Principais desafios nas famílias transnacionais
3.1 Determinação da residência habitual
O conceito de “residência habitual” é fundamental para determinar a competência dos tribunais, e consequentemente a lei aplicável ao caso. Em famílias transnacionais, a mobilidade dos pais pode gerar conflitos sobre onde a criança deve residir e qual sistema jurídico deve ser aplicado.
3.2 Execução de decisões estrangeiras
Embora existam mecanismos de reconhecimento, como os regulamentos da União Europeia, a execução de uma decisão pode ser complicada por diferenças culturais e legais entre os países envolvidos.
A execução de sentenças estrangeiras em Portugal demostra um compromisso que o país tem com a cooperação jurídica internacional e com as decisões judiciais de outros países, desde que sejam cumpridos certos requisitos.
Os requisitos para o reconhecimento de sentença estrangeira são: a competência internacional do tribunal de origem, ou seja, o tribunal estrangeiro deve ter sido competente de acordo com as normas internacionais que sejam reconhecidas por Portugal; a regularidade processual, assim o réu tem que ter sido devidamente citado e apresentado o contraditório; a conformidade com a ordem pública portuguesa, assim, a decisão não pode violar princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa; e por último, o trânsito em julgado, ou seja, a decisão não poderá mais ser passível de recurso.
3.3 Rapto parental internacional
Casos de rapto parental, ou seja, de forma simplificada, a saída do menor ou dos menores do território onde possuem residência habitual sem autorização de ambos os progenitores, continuam a ser um problema significativo, mesmo com a existência da Convenção de Haia de 1980. A recuperação da criança pode ser lenta e emocionalmente desgastante para todas as partes envolvidas, sendo que tanto o Tribunal português, brasileiro ou de outros países tem enfrentado como uma certa frequência esses casos.
4. Soluções, melhores práticas e a Mediação familiar transnacional
A mediação tem se mostrado uma ferramenta eficaz para resolver disputas parentais em famílias transnacionais, uma vez que um litígio internacional é bastante desgastante e custoso para todos os envolvidos.
Atualmente, existem programas especializados, como o da Rede Internacional de Juízes da Haia, oferecem suporte para alcançar soluções amigáveis e também podem ser buscados acordos através do auxílio de advogados para que seja evitado um litígio demorado e desgastante.
É essencial que juízes, advogados e outros profissionais do Direito estejam familiarizados com normas internacionais e sensibilizados para as especificidades das famílias transnacionais, uma vez que esses casos requerem devida atenção as normas e também a aspectos particulares de cada caso.
Muitos países no mundo são signatários da Convenção de Haia de 1980 que traz diversas normas internacionais relacionadas com o direito de família, sendo que o não cumprimento desta e de outras normas de direito internacional pode acarretar diversos problemas.
5. Papel fundamental da Convenção de Haia de 1980
A Convenção de Haia é um instrumento jurídico fundamental em Portugal no contexto da regulação das responsabilidades parentais em casos transnacionais. Além disso, a convenção possui alguns objetivos bastante importantes que são: a proteção do melhor interesse da criança, para que seja assegurado que questões relacionadas
à guarda sejam resolvidas no local onde a criança possui ligações mais próximas; a prevenção de conflitos, para evitar o deslocamento ilícito como forma de obter vantagens em disputas de guarda; e o retorno imediato para garantir o retorno o mais rápido possível da criança ao país de residência habitual.
Conclusão
A regulação das responsabilidades parentais em famílias transnacionais é um desafio crescente no sistema jurídico português. Embora existam instrumentos internacionais eficazes, como a Convenção de Haia e os regulamentos europeus, ainda há espaço para melhorias no acesso à justiça e na resolução de conflitos. Investir em soluções alternativas de litígio, como a mediação é importante para garantir o superior interesse dos menores envolvidos.
Assim, ambos os progenitores, independentemente da nacionalidade, deverão saber seus direitos e deveres em caso de litígio ou não, para a proteção de menores. Dessa forma, para que sejam devidamente instruídos devem buscar uma consultoria jurídica através de um advogado especializado em direito de família internacional.